Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade em Educação Convergências, Divergências, Complementaridades
- Profª. Dra. Izabel Petraglia
- Profª. Dra. Maria Cândida Moraes
“A educação atual privilegia a inteligência do homem, em detrimento de sua sensibilidade e de seu corpo, o que certamente foi necessário em determinada época para permitir a explosão do saber. Todavia, esta preferência, se continuar, vai nos arrastar para a lógica
louca da eficácia, que só pode desembocar em nossa autodestruição”.
Nicolescu (2000, p. 105)
“A transdisciplinaridade é um princípio epistemológico e metodológico que pressupõe atitude de abertura do espírito humano ao vivenciar processos
que envolvem uma lógica diferenciada, uma nova maneira de pensar, de perceber e de compreender a realidade e a dinâmica da vida”
(M.C. Moraes).
EMENTA
É possível ampliar e diferenciar esses dois princípios epistemológicos, conceituá-los adequadamente, percebendo suas nuances e dimensões envolvidas, bem como suas respectivas implicações nos processos de construção do conhecimento e de ensino e aprendizagem? O que esses princípios têm a ver com a crise civilizatória em que estamos envolvidos? E com a crise antropológica, social e ambiental que estamos vivendo? Os pensamentos disciplinar e multidisciplinar dão conta de resolver os problemas ecológicos, ambientais, sanitários e humanitários que tanto nos afligem?
Sabemos que não! Nossos problemas são de natureza complexa e transdisciplinar, o que, por sua vez, requer soluções equivalentes, compatíveis com sua natureza epistemológica? Necessitamos de um pensamento mais elaborado, mais aprofundado, de natureza interdisciplinar e transdisciplinar, capaz de gerar novos modos de conhecer a realidade, para que possamos dar conta dos desafios globais que afetam o nosso viver/conviver cotidiano.
Nossas crises emergem nos mais diferentes âmbitos e nas mais diversas proporções. São, portanto, crises de natureza complexa, global, implicando diferentes dimensões da vida, já que elas se apresentam em níveis de realidade distintos, se infiltram por todos os poros, espalhando-se por todos os espaços. De certa forma, tais crises são reflexos de nossos pensamentos, ações, valores, hábitos, atitudes e estilos de vida, consequências da maneira equivocada com que dialogamos com o mundo e com a vida.
O que se percebe é que, apesar do grande desenvolvimento científico e tecnológico, a civilização ocidental continua insensível ao sofrimento humano. Insensível ao sofrimento de nossos irmãos Yanomamis, à degradação ambiental das terras indígenas provocada pelo garimpo ilegal e pela ganância devastadora. Indiferente e insensível à fome e à morte por inanição de milhares de indígenas? em terras brasileiras. Por que será que continuamos permitindo a expansão da mineração ilegal na Floresta Amazônica, da geografia da fome, o recrudescimento da pobreza e a proliferação de tantas atrocidades e barbaridades? Como humanidade, somos cada vez mais individualistas, menos solidários e compassivos. Por que será que não conseguimos ver os fenômenos a partir de um ponto de vista diferente, situando-os em outra perspectiva ou percebendo o que acontece em outros níveis da realidade fenomenológica?
De fato, fomos ‘educados’, ou melhor, ‘formatados’, a partir de um tipo de racionalidade que aprisiona a mente, o pensamento e ignora as emoções. Acostumados a usar a lógica binária excludente que não considera a existência de alternativas e possibilidades de materialização dos fenômenos, que separa o que é inseparável, que divide o conhecimento e fragmenta a realidade. Temos dificuldades em trabalhar com um enfoque integrado, com um pensamento globalizador, que transcenda as culturas e as disciplinas, capaz de promover a integração de vários modos de conhecimento. É essa racionalidade fragmentadora do real, do pensamento e das emoções, dos sentimentos e afetos, que separa o ser do conhecer, o sentir do pensar e agir, e o viver do conviver. O que fica, a cada dia também mais evidente, é que a destruição dessa interdependência psicobiológica que conecta a mente ao coração vem acelerando o surgimento de vários transtornos psíquicos, de novas formas provocadoras de ansiedade, medo e ataques de pânico, ensejando problemas de ordem psíquica, emocional e social sem precedentes que destroem nossas motivações, diluem os nossos desejos e afetos, diminuindo as nossas expectativas de vida e comprometendo, assim, a qualidade da vida humana.
Em realidade, são inúmeras as constatações que incitam o nosso espírito a dialogar com a realidade e a questionar o conhecimento que vem sendo produzido, pois o fantasma da vulnerabilidade plana sobre todos nós, provocando desequilíbrio, insegurança, medo e insatisfação, trazendo consigo a instabilidade emocional associada ao recrudescimento do individualismo, à debilidade dos vínculos, à falta de segurança e esperança, de solidariedade, de sensibilidade e sentido de vida.
Como humanidade, estamos perdendo o sentido da vida e colocando em perigo a nossa própria humanidade. Por outro lado, como espécie, nos tornamos perigosos demais para a vida no Planeta Terra. É preciso reverter esses processos. Ou cooperamos e nos solidarizamos, ou não teremos um futuro comum. É o que vários líderes mundiais têm nos alertado há tempos. Urge reformar o pensamento para que possamos construir novas perspectivas civilizatórias. Para tanto, nossa sociedade necessita encontrar os meios de responder aos vários desafios, não apenas para a formação de novas identidades, mas também para o desenvolvimento da compreensão humana e o cultivo de novos valores, em um mundo cada dia mais interconectado e interdependente.
E o que a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, como princípios de reorganização epistemológica das disciplinas científicas, têm a ver com tudo isso? Sabemos que, como princípios epistemológicos, são instrumentos para a criação, construção e compreensão do conhecimento e da realidade. Tenta-se, a partir desses princípios, resgatar a unicidade do conhecimento, superando sua fragmentação, reducionismo e disjunção, indo em busca de uma renovação paradigmática capaz de ressignificar as práticas pedagógicas desenvolvidas, a partir de uma nova matriz cognitiva que exige a reforma do pensamento tradicional que ainda prevalece na educação.
Isso porque o pensamento moderno tradicional, pautado na separatividade, na padronização, no individualismo e na dominação, concebe a realidade de maneira fragmentada, separada e percebe o conhecimento desconectado do real, reforçando as visões parciais e dissociadas dos conhecimentos e saberes, dificultando nossa capacidade de contextualizar e globalizar, de ver o todo interagindo com as partes. Esse tipo de conhecimento fragmentado gera um padrão de pensamento que, por sua vez, traz consigo práticas pedagógicas correspondentes que fragmentam a realidade, o ser e o conhecer, separando o viver do conviver; ignorando também o sujeito e suas qualidades mais sensíveis e sutis ao negar as emoções, os sentimentos e os afetos presentes em nosso viver/conviver humano.
Uma ciência equivocada, pautada em posicionamentos ontológicos e epistemológicos também equivocados, como os da ciência tradicional, gera crises epistemológicas e antropológicas que afetam o ser humano em seus processos de conhecer, já que o conhecer e o ser estão imbricados. Afetam também a maneira de SER e ESTAR no mundo e de perceber e compreender a realidade ao nosso redor. Assim, uma nova consciência planetária não pode florescer em um ambiente de ensino e aprendizagem pautado em um pensamento linear, disjuntivo, fragmentado e simplificador. A maneira de ser e de estar no mundo de cada sujeito, de viver e conviver no aqui e agora, de enfrentar ou não os problemas do seu tempo, depende da maneira de pensar e de compreender a realidade e dialogar com ela.
É aí que entendemos a relevância da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade como instrumentos importantes de um movimento de renovação pedagógica em nível paradigmático. Algo muito mais amplo e profundo, relacionado à compreensão do funcionamento da realidade social, ambiental, econômica, cultural e espiritual, além dos aspectos relacionados às mudanças epistemológicas requeridas no domínio particular da produção do conhecimento humano. Isso porque esses princípios trazem consigo a complexidade fenomenológica que nos ajuda a ligar e a religar os objetos do conhecimento e ao mesmo tempo, a resgatar o sujeito integral e integrado; aquele sujeito biológico social, cultural e espiritual que emerge impregnado de sua arte, de sua poesia e sua prosa; nutrido por sua história de vida, por sua sensibilidade, criatividade e espiritualidade, enriquecido por seus saberes de vida que se mesclam com seus conhecimentos científicos iluminados pela sabedoria de seus ancestrais.
É preciso também ratificar que não entendemos a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade como utopia ou temas para tertúlias acadêmicas ingênuas e irrelevantes, sem um fundamento científico qualquer. Muito pelo contrário! Dependendo do enfoque trabalhado, da clareza epistemológica e da experiência docente, esses princípios são compreendidos e utilizados de determinada maneira. Apesar da grande maioria dos artigos ou ensaios acadêmicos trabalhar a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade apenas em nível de conteúdos, integrando-os, a partir de diferentes disciplinas ou dimensões da realidade, nós pretendemos ir além dessa abordagem inicial, para reencontrar o sujeito em sua plenitude e inteireza. Ao trabalhar as interações disciplinares, a transdisciplinaridade também reafirma uma epistemologia do sujeito e da subjetividade humana, como nos sugere Patrick Paul (2013), abrindo o campo do conhecimento à ecologia dos saberes, à integração dos saberes não acadêmicos e científicos, como também ao autoconhecimento, condição fundamental para que a consciência humana se complexifique e se manifeste em sua capacidade evolutiva e transformadora.
Para iniciar esse diálogo, inúmeras questões emergem no contexto da educação. Dentre elas, destacamos: Como a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade se manifestam ou se materializam na prática docente? Como engajar o docente em um trabalho interdisciplinar ou transdisciplinar se ele não foi preparado para isso? Quando ele deverá optar por um ou outro? É possível trabalhar a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade se o professor ainda não tem um domínio razoável do conteúdo de sua própria disciplina? O que tem a ver a epistemologia da complexidade com a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade?
Estas e outras questões serão devidamente trabalhadas neste curso.
Objetivos
- Observar e refletir sobre o novo estatuto da ciência e suas implicações no processo educacional atual;
- Conhecer semelhanças, diferenças, complementaridades entre Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade;
- Compreender e distinguir aspectos e princípios da teoria e da prática educacional embasados na Interdisciplinaridade e na Transdisciplinaridade;
- Estudar e identificar pressupostos epistemológicos, ontológicos e metodológicos da Interdisciplinaridade e da Transdisciplinaridade;
- Refletir sobre o papel do educador diante das perspectivas inter e transdisciplinares do conhecimento e da docência;
- Dialogar sobre experiências pedagógicas inter e/ou transdisciplinares, considerando a vivência profissional dos (as) próprios (as) participantes.
Concepção do Programa
Os conteúdos e atividades do presente curso estão agrupados em quatro módulos descritos abaixo, perfazendo um total de 20 h.
Módulo 01 – O que é a Interdisciplinaridade?
- Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade: definições e concepções;
- Princípios ontológicos, epistemológicos e metodológicos das diferenças;
- Perspectivas Holística e da Complexidade: encontros e desencontros.
Módulo 02 - Novas bases ontológicas e epistemológicas da Ciência.
- Mutações no estatuto ontológico do sujeito e do observador científico e suas consequências nos processos de construção do conhecimento;
- Pressupostos ontológicos e epistemológicos das Ciências da Complexidade.
- Da ontologia e epistemologia complexa à metodologia transdisciplinar;
Módulo 03 - O que é a transdisciplinaridade?
- Diferentes abordagens da transdisciplinaridade;
- Eixos constitutivos da transdisciplinaridade: níveis de realidade, complexidade e terceiro incluído.
- O pensamento transdisciplinar como compreensão e consciência do real.
Módulo 04 – Por uma escola transdisciplinar: em busca de indicadores.
- Importância da transdisciplinaridade para o enfrentamento dos desafios planetários;
- Pedagogia Transdisciplinar: Implicações da transdisciplinaridade no currículo, na didática, na formação e na docência.
Público-alvo
Os principais destinatários deste curso são professores(as), educadores (as) de todos os níveis e modalidades de ensino, bem como gestores/as, coordenadores/as pedagógicos, pesquisadores/as, estudantes de graduação e pós-graduação interessados nas questões epistemológicas relacionadas aos processos de construção de conhecimento. Também profissionais da área de educação ambiental e de outras áreas do conhecimento interessados na temática.
Formato
O curso será totalmente virtual, com quatro aulas síncronas, de 02h30 cada; elas ocorrerão nos dias 29/03 e, 05 e 12/04, das 20 às 22h30 e as gravações serão disponibilizadas aos cursistas por mais uma quinzena, para quem não conseguiu participar no momento da ‘live’ e queira proceder às consultas necessárias. Também serão apresentados textos de autoria das referidas professoras, além de outras indicações de leitura para o aprofundamento teórico e a composição da carga-horária de 20h/aula.
Metodologia
O curso está organizado em quatro módulos, os quais serão ministrados através de ‘lives’ virtuais, levantando-se questões e estimulando o debate por parte dos participantes. Todos os módulos serão complementados por leituras indicadas e deverão ter uma estrutura flexível e adaptada às demandas e necessidades dos participantes, no sentido de garantir os aspectos conceituais, os recursos comunicacionais e as estratégias didáticas. Através da criação de situações que facilitem a interação e a expressão das próprias inquietações, necessidades e expectativas dos participantes serão geradas dinâmicas de discussão, de aplicação, de criação e comunicação de experiências.
Comentário reflexivo-crítico
Após assistir às aulas e estudar o material disponibilizado, o(a) cursista deverá realizar um comentário reflexivo-crítico na plataforma, de até 2.000 (dois mil) caracteres com espaço, fazendo conexões entre os temas tratados nas aulas e a sua experiência profissional, seja ela docente ou não, até 30 dias após o encerramento do curso.
Certificação
Os certificados serão disponibilizados em PDF, para download, a partir de 45 dias após o término do curso. Para receber o certificado de 20 horas, o(a) cursista deverá enviar o seu comentário reflexivo-crítico às professoras responsáveis pelo curso.
Corpo Docente
Profª. Dra. Izabel Petraglia
Profª. Dra. Maria Cândida Moraes
REFERÊNCIAS
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