Edgar Morin Hoje

“Não sabemos as consequências políticas, econômicas, nacionais e planetárias das restrições causadas pelos confinamentos. Não sabemos se devemos esperar o pior, o melhor, ou ambos misturados: caminhamos na direção a novas incertezas”

Edgar Morin

EDGAR MORIN HOJE

Para Morin, o imperativo da religação sempre foi algo fundamentalmente contemporâneo e necessário, pois ciência e técnica já não podem atuar sem um pensamento que as enlace, globalize e contextualize todas as implicações da existência. Hoje, essa compreensão é mais do que necessária, já que, como humanidade, nós estamos em condições socialmente críticas, ecologicamente severas e economicamente vulneráveis pelo fato de termos vivido, desde o século XVII, sob o império do paradigma da simplificação que nos instigou sempre a tentar controlar a aventura do pensamento ocidental cujas consequências nefastas começaram a ser reveladas e aprofundadas a partir do século XX.

Hoje, mais do que nunca, sabemos que modelos insustentáveis de produção da economia e de consumo, inspirados no paradigma tradicional da ciência, vêm contribuindo tanto para a deterioração das condições climáticas do planeta e o recrudescimento das catástrofes ambientais como também para o surgimento da atual pandemia que vem destruindo a vida humana no planeta Terra.

Esse novo vírus trouxe consigo mais uma nova tragédia planetária para a humanidade, dentre outras tantas já existentes, revelando, mais uma vez, a interdependência global que nos afeta, a existência e o agravamento de uma desigualdade estrutural, tanto entre os países como no interior de cada país individualmente, lembrando-nos que as respostas somente poderão ser pautadas na solidariedade e na responsabilidade em nível planetário. Ou cooperamos e nos solidarizamos, ou não teremos um futuro comum.

Embora a educação não tenha o poder de resolver a maioria dos problemas relacionados à mudança climática, ela continua sendo um elemento essencial para uma resposta global aos vários problemas relacionados à biodiversidade, ao desenvolvimento sustentável e à cidadania planetária. Além do conhecimento e da aprendizagem determinarem o futuro do planeta, ajudam também os jovens a compreender o impacto da ação humana sobre o aquecimento global, a reconhecer a importância de se criar novos horizontes civilizatórios para a humanidade, de encorajar a mudança de comportamento, atitudes e valores, além de promover iniciativas voltadas para a preservação da biodiversidade como condição para a vida de todos os ecossistemas.  Uma sociedade sem escolas, sem uma educação de qualidade, sem aprendizagem, está destinada ao abandono social, ético e econômico.

E qual é a importância do pensamento de Edgar Morin em todo este processo de transição planetária? É que entendemos que nossa humanidade carece de novas propostas civilizacionais e criativas capazes de promoverem a passagem de uma educação pautada na disjunção do saber e da vida para outra baseada na interdependência complexa das relações sujeito/objeto, vida/aprendizagem e indivíduo/sociedade/espécie. Ele é um dos sociólogos (ou filósofos?) que, há tempos, vem nos sinalizando a respeito das demandas globais e da necessidade de uma nova aliança planetária para a superação dos atuais problemas que tanto afetam a realidade contemporânea. Para ele (1999):

[…] Nos hace falta ahora aprender a ser, a vivir, a compartir e a comulgar también como humanos del Planeta Tierra. No solamente ser de una cultura sino también ser habitantes de la Tierra. Debemos dedicarnos no sólo a dominar sino a acondicionar, mejorar, comprender. Debemos inscribir en nosotros: la conciencia antropológica que reconoce nuestra unidad en nuestra diversidad; la conciencia ecológica, es decir la conciencia de habitar con todos los seres mortales una misma esfera viviente (biosfera); reconocer nuestro lazo consustancial con la biósfera nos conduce a abandonar el sueño prometeico del dominio del universo para alimentar la aspiración a la convivencia sobre la Tierra; la conciencia cívica terrenal, es decir de la responsabilidad y de la solidaridad para los hijos de la Tierra y la conciencia espiritual de la humana condición que viene del ejercicio complejo del pensamiento y que nos permite a la vez criticarnos mutuamente, autocriticarnos y comprendernos entre sí[…]

Edgar Morin, 1999

Em suas entrevistas comemorativas de seu centenário de nascimento, em 2021, ficou ainda mais claro o alerta de Edgar Morin ao anunciar que a humanidade se encontra em um ponto crítico de sua trajetória e que é preciso agir com urgência para mudar nossos hábitos, pensamentos e valores. Ele nos adverte a respeito dos cuidados necessários com a casa comum e com todos os seres e não apenas com o ser humano, destacando o papel da educação no sentido de promover novos valores e mudanças profundas nos velhos estilos de vida. Entende que é preciso reverter todo esse processo destrutivo, lembrando que, como humanidade, não somos proprietários da natureza, mas sim seus cuidadores desta dádiva da generosidade divina para que tenhamos condições de viver/conviver neste planeta.

O panorama destrutivo ficou ainda mais agravado com a pandemia que aumentou a desigualdade econômica, social, cultural e educativa, associada à destruição do meio-ambiente. O atual sistema de ensino básico e universitário, seja público ou privado, vem reforçando ainda mais esta tragédia ao não oferecer condições de aprendizagem que possibilitem o resgate da população desfavorecida, aumentando a evasão escolar e a baixa qualidade da educação oferecida.

Os professores, por sua vez, carecem de capacitação e formação continuada para melhor lidarem com os desafios da atualidade, com os saberes necessários à escola contemporânea, com a urgência da reforma do pensamento para a religação e o complexo. Daí também se justifica esse projeto de criação do Centro de Estudos e Pesquisas Edgar Morin, com a intenção de preencher essa lacuna de formação continuada, permanente, fora do âmbito da academia que, muitas vezes engessa o pensamento, compartimenta e não contextualiza o conhecimento, destoando da realidade e das necessidades mais prementes dos educadores.

Sabemos que a educação é a base e o esteio para que as coisas se transformem no futuro, em especial o pensamento humano e as instituições dele decorrentes. Para tanto, é preciso colocar para funcionar outro tipo de pensamento lógico, diferente do pensamento binário tradicional, reducionista, fragmentado, que não vem dando conta de resolver nossos problemas atuais. É preciso compreender os fenômenos e os processos em sua complexidade, entender as complexas realidades constitutivas da crise civilizatória que nos assusta, para que possamos encontrar soluções que nos ajudem a enfrentá-la.

Hoje se admite, cada vez mais, que não é a soma de pontos de vista das soluções e contribuições parciais que ajuda a compreender a complexidade de um problema e a encontrar a sua solução. Pelo contrário, é preciso aprender a pensar complexamente, articulando os diferentes pontos de vista, os múltiplos olhares sobre o objeto do conhecimento para que possamos afrontar os problemas fundamentais e globais de cada indivíduo e da sociedade como um todo. E isso implica a cooperação de vários saberes disciplinares, de saberes científicos e humanísticos evitando-se a separabilidade entre eles.

Assim, concordamos com Edgar Morin ao advertir sobre a necessidade urgente de uma reforma do pensamento para que, como sociedade, nós possamos responder com mais competência e habilidade aos desafios da globalidade, da complexidade da vida cotidiana. É preciso desenvolver novas competências humanas para que possamos enfrentar a incerteza presente tanto na realidade como também nos processos de aprendizagem e na própria dinâmica da vida.

E mais, para se enfrentar o mal pela raiz, é preciso educar também para a cidadania planetária e não somente para a cidadania local, educar para a sustentabilidade ecológica e resgatar o verdadeiro sentido da vida. Certamente, tudo isso implica um estudo mais aprofundado das principais causas geradoras dos nossos problemas, aquelas que estão no cerne da violência, da ignorância e da corrupção. Implica também a compreensão dos mecanismos causadores das injustiças sociais e da problemática ecológica e pressupõe, certamente, o enfrentamento dos problemas que não são apenas nacionais, mas também transnacionais, transversais, globais. Hoje, a grande maioria dos problemas que afligem a humanidade possui uma natureza complexa e transdisciplinar, o que requer um tratamento compatível com a sua natureza abrangente. E este é o objeto com o qual pretendemos trabalhar no nosso Centro de Estudos e Pesquisas!

Essa perspectiva ficou ainda mais evidente a partir das mais diversas “lives” que realizamos em comemoração ao centenário de vida de Edgar Morin e Paulo Freire no ano de 2021. Levou-nos também a perceber a relevância de se criar um Centro de Estudos e Pesquisas em Complexidade e Transdisciplinaridade, com o intuito de divulgar o pensamento e a obra do autor, não apenas aos educadores que estão em sala de aula, mas a toda aquela população interessada na reforma do pensamento humano e das instituições dela decorrentes.

A humanidade necessita de uma nova plataforma teórica orientada para a construção de um conhecimento mais coerente com a realidade do que acontece tanto na sala de aula, como nos demais contextos de aprendizagem oferecidos ao longo da vida. Algo mais condizente com os processos vivenciados pelos sujeitos aprendentes e com o processamento de informações decorrente de sua inserção em um mundo cada dia mais mutante e imprevisível.

É neste sentido que pretendemos colaborar, fazendo com que os pressupostos científicos das teorias pós-modernas, pautadas na complexidade e na transdisciplinaridade, sejam os mesmos fundamentos epistemológicos presentes nos processos de ação e de intervenção pedagógica, visando à desconstrução das práticas pedagógicas epistemologicamente equivocadas da modernidade e que ainda prevalecem nos ambientes educacionais. Ao mesmo tempo, em que colaboramos para ampliar o horizonte de compreensão a respeito da sustentabilidade do planeta Terra e para a emergência da civilização da religação. Uma civilização sintonizada com a sinergia da complementaridade, com a revalorização da vida e preocupada com a interdependência dos processos vitais. Uma civilização sintonizada com a Era das Relações com a religação de todos os seres e uma nova cidadania planetária.

Como educadoras, estamos sendo chamadas a nos lançar nesta direção e, para tanto, estamos propondo a criação deste Centro de Estudos e Pesquisas Edgar Morin, como instrumento que nos possibilitará alcançar o maior número de pessoas interessadas nas ideias e propostas deste grande pensador que tem dedicado sua vida e sua obra à humanidade, iluminando o presente e o futuro das novas gerações.

Com ele, comungamos a mesma esperança, não como uma certeza, já que ela sempre cresce ao lado da desesperança, mas como um caminho, que é o caminho da boa utopia! Esperança em um mundo mais justo, ecologicamente mais sustentável e amorosamente mais responsável e solidário.