Ensinar a Condição Humana: Dialogando com Paulo Freire & Edgar Morin

  • Prof. Dr. Juan Miguel Batalloso
  • Profa. Dra. Izabel Petraglia
  • Profa. Dra. Maria Cândida Moraes
Curso Ensinar Condição Humana - dialogando com Paulo Freire e Edgar Morin

Curso Ensinar Condição Humana - dialogando com Paulo Freire e Edgar Morin

EMENTA

“… A educação é um ato de amor, portanto um ato de coragem. Ele não pode temer o debate, a análise da realidade; não pode fugir da discussão criativa, sob pena de ser uma farsa…”

Paulo Freire. 1976

«… O ser humano é ao mesmo tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. É essa complexa unidade da natureza humana que está completamente desintegrada na educação através de disciplinas e torna impossível aprender o que significa ser humano. A condição humana deve ser o objeto essencial de qualquer educação…»

Edgar Morin. 1999

«… O nome real de uma educação transformadora é que ela é humanizadora. Será então libertadora na medida em que sempre aciona, acompanha e desafia o aprendizado da condição humana (…) A condição humana refere-se insuperavelmente ao amor, que é por ele e com ele que nos tornamos humanos…”

Alejandro Cussianovich (2007)

A estas alturas do século XXI ninguém pode negar que estamos diante de uma mega crise civilizacional e planetária que é, ao mesmo tempo, econômica e ecológica, nacional e internacional, social e cultural, política e institucional, além de cultural, educacional e pessoal. Uma crise que é externa e interna. Externa enquanto afeta as condições materiais de nossa existência e a vida no Planeta, e interna, porque está intimamente relacionada com a nossa natureza humana e a nossa forma de construir conhecimento e sentido de vida. É em este ponto, onde surge novamente o papel indispensável que a educação deve desempenhar como facilitadora e promotora do desenvolvimento da consciência, da vontade, da compreensão e do compromisso, como dimensões estratégicas de aprendizagem e o ensino da condição humana.

Assim, pois, a educação continua em crise. Uma crise da qual Ivan Illich já tinha nos avisado há quase meio século, quando nos mostrou a extraordinária e alienante confusão entre “escolaridade” e “educação” (ILLICH, 1974). E é que os sistemas educacionais do nosso tempo atingiram tal grau de burocratização e tecnologização, influenciados pelo ritmo da expansão dos mercados, que dificilmente poderemos encontrar neles algo diferente aos saberes puramente utilitários e/ou adaptativos. Mas também, porque esses sistemas supostamente educacionais estão mais preocupados e ocupados em vender credenciamentos e desenvolver competências e habilidades profissionais, do que em criar as condições e mediações necessárias para que cada ser humano conquiste sua própria humanidade de forma autônoma e original.

Como nos sentimos interiormente, quando depois de ter passado a vida inteira em salas de aula, percebemos que todas as informações e o suposto conhecimento recebido e socialmente legitimado, só tem um valor de troca perecível e desatualizado? Quais são as lembranças mais valiosas de nossas escolas e experiências acadêmicas para nossas vidas? Ou será que nossa passagem pelas escolas e universidades não passou de uma liturgia e uma exigência obrigatória para sobreviver em uma sociedade de mercado na qual o lucro, a apropriação, a desigualdade e o consumo ilimitado continuam sendo seu fim e seus meios? O que nossos estudos e certificações contribuíram para o conhecimento sobre nós mesmos e os nossos vínculos e conexões com a sociedade e a natureza? Não será que o conhecimento adquirido e construído tenha se tornado hipertrofiado e nada de novo somos capazes de gerar, a não ser em termos de maior burocratização e mercantilização? Será mesmo que nossas instituições acadêmicas e escolares alcançam os resultados esperados que declaram em suas sempre paradisíacas visões, missões e valores? Será  que a nossa mente simplificadora e disciplinada seja incapaz de conceber novas formas de pensar, sentir e fazer educação? Ou não será que a educação ampla e formalmente compreendida seja um fenômeno que acontece fora da sala de aula e à margem dela? Ou o que entendemos por educação nada mais é do que uma sofisticada e custosa superestrutura institucional que legitima, garante e reproduz um modo de produção desumano e insustentável?

Chegou a hora, então, de enfrentar tanto o discurso de reforma e inovação educativa, que sob sua aparência de neutralidade e realismo econômico que estimula a produtividade e a competitividade, ou sob um suposto fundo ético de uma “educação em valores” maligna e incoerente, está nos afastando do nosso processo natural e certamente interminável de hominização-humanização. E são precisamente esses discursos que naturalizam e legitimam separações e dualidades (teoria-prática, meio-fins, ensino-aprendizagem, professor-aluno, razão-emoção, pensamento-performer, líderes dirigidos, crescimento-desenvolvimento …) que, ao compartimentar e fragmentar o conhecimento, legitimando disjunções, simplificações e exclusões, eles não só promovem erros, ilusões e cegueira do conhecimento (MORIN, 1999), mas também dificultam e impedem tanto o diagnóstico dos problemas quanto o encontro de suas soluções. Se os problemas mais importantes da vida, da humanidade, do Planeta e das pessoas, como sujeitos individuais e coletivos, são sempre globais, contextuais e relacionais, temos necessariamente que buscar e encontrar estratégias, procedimentos, métodos e ações que nos permitam contextualizar, relacionar, conectar e religar  saberes, conhecimentos e disciplinas. Cabe à educação e, principalmente a todas as suas instituições formais e informais, privadas ou públicas, presenciais ou virtuais, assumir a responsabilidade de construir uma “ecologia de saberes” tendo, como fim e como meio, a aprendizagem e o ensino da condição humana, caso contrário, dificilmente seremos capazes de demostrar concretamente que outro mundo é possível e realmente necessário.

Não se trata, pois, de retornar pelos velhos caminhos do pensamento disciplinar, curricular e organizacional que alimenta a nossa mentalidade escolar, nem de acreditar que temos que inventar um novo preceito ensinando os outros a viver como se os profissionais especializados em educação ou docentes fossem realmente sábios nesse assunto. Em vez disso, trata-se de saber combinar complexamente as necessidades e os problemas materiais da existência de nossos contextos locais e globais, juntamente com a tarefa essencial e indelegável de aprender a viver de forma autônoma sem a necessidade de que alguém prescreva, em forma de receita acadêmica ou inculcação ideológica.

É realmente possível ensinar a condição humana a partir de uma mente escolarizada e curricularizada que só vê disciplinas, exames e credenciamentos em todos os lugares? Como viabilizar conteúdos, espaços, tempos, recursos e condições para uma aprendizagem tão básica e fundamental para nossas vidas? Será que seremos capazes de ensiná-la no âmbito da relação professor-aluno ou teremos que entender e assumir radicalmente àquele sempre novo princípio que Paulo Freire nos legou de que ‘ninguém realmente educa ninguém e que todos nós somos educados em comunhão’?’ E o que isso significa em termos concretos? Será necessário quebrar os limites estreitos, formais e regulamentados das escolas para que toda a sociedade realmente assuma a responsabilidade de educar?

Talvez nossos discursos e declarações nos tornem tão prepotentes que muitas vezes esquecemos que, no mais simples, no mais humilde e insignificante, a luz dos mais valiosos e frutíferos dos aprendizados sempre pode brilhar. E não se trata aqui de simplificar ou reduzir a receitas didáticas ou a medidas curriculares tudo o que achamos desejável, mas sim de entender que o campo das aprendizagens autenticamente transcendentes para a vida e para o pleno desenvolvimento de nossa humanidade ainda não é suficientemente explorado. Portanto, como educadores e educadoras, é necessário incorporar, não apenas a qualquer pessoa que nos mostre, com seu comportamento, o sentido de sua vida, mas também toda a Natureza da qual fazemos parte.

Desta forma, fica claro, pelo menos, que é impossível ensinar a condição humana no sentido escolar e burocrático ao qual estamos acostumados, como também fica evidente a absoluta impossibilidade de ensinar qualquer coisa relacionada à nossa condição humana se não estivermos profundamente implicados em sua aprendizagem. Ensinar a humana condição não é, portanto, um processo de transmissão de  informações, nem sequer o exercício de comportamentos testemunhais, mas sim um processo de autoaprendizagem, de compromisso e experiências de vida com tudo o que faz parte de nossa natureza complexa e contraditória. Daí, por exemplo, que não podemos entender esse ensino-aprendizagem sem o reconhecimento do outro como um outro legítimo, sem o surgimento e o desenvolvimento de processos afetivos e amorosos e que são, ao mesmo tempo, dialogados, interativos e auto-eco-organizadores.

Disso, trata-se este  curso organizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas Edgar Morin e desenvolvido pelo professor espanhol Dr. Juan Miguel Batalloso e pelas professoras doutoras Izabel Petraglia e Maria Cândida Moraes, diretoras do CEP Edgar Morin. Um Curso cujo propósito mais transcendental e transversal reside na compreensão da natureza complexa de nossa condição humana, descobrindo caminhos para uma maior e melhor humanização, a partir das valiosas contribuições de dois dos maiores educadores e teóricos da Educação de nosso tempo: Paulo Freire e Edgar Morin.

Objetivos

  1. Compreender e assumir que todas as mudanças necessárias para superar e enfrentar a atual crise de nossa civilização, necessariamente passam pelo conhecimento de nossa complexa condição humana, bem como pelo desenvolvimento de estratégias e procedimentos de autorrealização, desenvolvimento interno e compromisso social e profissional baseados na responsabilidade e solidariedade.
  2. Verificar e compreender as inter-relações, ligações, interações e conexões da condição humana com a sociedade, cultura, educação e Natureza aplicando os fundamentos ontológicos, epistemológicos de um novo paradigma educacional e dos operadores cognitivospara um pensar complexo.
  3. Perceber a necessidade do pensamento ecossistemico e complexo como ferramenta fundamental para conhecer, analisar e compreender tanto a realidade ecológica, econômica, social e política, quanto nossa realidade pessoal que é, ao mesmo tempo, corporal, cognitiva, emocional, social e espiritual.
  4. Conhecer e compreender a natureza complexa da condição humana a partir das contribuições de Paulo Freire e Edgar Morin e de nossa própria experiência pessoal e profissional como educadores.
  5. Analisar as implicações derivadas de uma concepção complexa tanto da sociedade e da democracia como do ser interno de cada pessoa e suas diversas formas de sentir, pensar, raciocinar, de se expressar e se comportar.
  6. Oferecer caminhos, orientações e perspectivas para melhorar nossos níveis de desenvolvimento interior, bem como estratégias e atividades voltadas para esse fim e que podem ser realizadas em qualquer etapa ou nível educacional.
  7.  Proporcionar aos docentes orientações tanto para seu desenvolvimento profissional, quanto para seu desenvolvimento pessoal e para a construção autônoma do sentido de sua profissão e de sua própria vida.

Público-alvo

Os principais destinatários deste curso são professores(as), educadores (as) de todos os níveis e modalidades de ensino, bem como gestores, coordenadores pedagógicos, pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação interessados em pesquisa educacional. Também profissionais de outras áreas do conhecimento interessados em pesquisa.

Concepção do Programa

Os conteúdos e atividades do presente curso estão agrupados em quatro módulos descritos abaixo, perfazendo um total de 20 h.

Módulo 1 – Mestres do Amor e da Esperança

  1. A esperança.
  2. A importância de fazer perguntas.
  3. Edgar Morin e Paulo Freire: O que eles têm em comum?
  4. A complexidade da condição humana em Edgar Morin.
  5. Orientações e implicações.
  6. A complexidade da natureza humana em Paulo Freire.
  7. Quatro palavras-chave.

Módulo 2 – O ensino da condição humana

    1. Desenvolvimento da Consciência.
    2. O que é a consciência?
    3. Funções da consciência.
    4. Dimensões da Consciência (Ken Wilber).
    5. O Conteúdo do Ensino.
    6. A Consciência política.

Módulo 3 – Uma proposta educacional

    1. Crise da civilização.
    2. Quatro dimensões.
    3. Aprendendo a conhecer: Conteúdos e Temas.
    4. Aprendendo a conhecer: Conteúdos e Temas.
    5. Aprendendo a viver juntos: Conteúdos e Temas.
    6. Aprendendo a comprometer-se: Conteúdos e Temas.
    7. Estratégias metodológicas.
    8. Síntese transdisciplinar.

Formato

O curso será totalmente virtual, com três aulas síncronas, de 02h cada; elas ocorrerão nos dias 28 de setembro e 5 e 12 de outubro e as gravações ficarão disponibilizadas na plataforma por mais 30 dias, para quem não conseguiu participar no momento da ‘live’ e proceder as consultas necessárias. Também serão apresentados textos de autoria dos referidos professores, além de outras indicações de leitura para o aprofundamento teórico desejado e a complementação da carga horária, perfazendo o total de 20h.

Metodologia

O curso está organizado em três módulos, os quais serão ministrados através de ‘lives’ virtuais, levantando-se questões e estimulando o debate por parte dos participantes. Todos os módulos serão complementados por leituras indicadas e deverão ter uma estrutura flexível e adaptada às demandas e necessidades dos participantes, no sentido de garantir os aspectos conceituais, os recursos comunicacionais e as estratégias didáticas. Através da criação de situações que facilitem a interação e a expressão das próprias inquietações, necessidades e expectativas dos participantes serão geradas dinâmicas de discussão, de aplicação, de criação e comunicação de experiências. 

Comentário reflexivo-crítico

Após assistir às aulas e estudar o material disponibilizado, o (a) cursista deverá realizar um comentário reflexivo-crítico na plataforma, de até 2.000 (dois mil) caracteres com espaço, fazendo conexões entre os temas tratados nas aulas e a sua experiência profissional, seja ela docente ou não, até o dia 30 de outubro de 2022.

Certificação

Os certificados serão disponibilizados em PDF, para download, a partir de 01 de novembro de 2022. Para receber o certificado de 20 horas, o (a) cursista deverá enviar o seu comentário reflexivo-crítico às professoras responsáveis pelo curso.

Corpo Docente

Prof. Dr. Juan Miguel Batalloso

Profa. Dra. Izabel Petraglia

Profa. Dra. Maria Cândida Moraes

Bibliografia

BATALLOSO, Juan M. Dimensões da Psicopedagogia Hoje. Uma Visão Transdisciplinar Paperback. Brasilia: Liber Livro. 2011.

CAVALCANTI, Katia Brandão (Orgs.) Pedagogia vivencial humanescente. Para sentipensar os sete saberes na educação. Curitiba: CRV. 2010.

CUSSIANOVICH, Alejandro (2007) Aprender la condición humana. Ensayo sobre pedagogía de la ternura. Lima: IFEJANT. 2007.

FREIRE, Paulo. La educación como práctica de la libertad. Madrid Siglo XXI.. 1976.

__________. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987.

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MORAES, Maria C.; BATALLOSO, Juan M. y CORRÊA, Paulo. Ética, docência transdisciplinar e histórias de vida: Relatos e reflexões em valores éticos. Brasilia: UNESCO. Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade. 2014.

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ZWEIG, Connie y ABRAMS, Jeremiah (Coord.) Encuentro con la sombra. El poder del lado oculto de la naturaleza humana. Barcelona:  Kairós. 2008.